O Chiclete da Camareira
por @olavovirgilio
Semanas atrás estive em uma praia
na Bahia e fiquei hospedado em um belo hotel. Serviço excelente, funcionários
educados e uma ótima estrutura. Mas ainda que o hotel fosse muito bom fiz algo
que sempre faço em hotéis: um teste de confiança com as camareiras que arrumam
meu quarto. “Ah Olavo, isso é tipo aqueles testes do João Kleber?!”, não, claro
que não! Mas, de certa forma, queria testar, sim, a fidelidades delas. A
fidelidade com a honestidade. Não que eu seja, assim, tão preocupado com as
escolhas morais das camareiras, só acho divertido ver como as pessoas se
comportam quando ninguém está olhando.
Mas me deixe contar o que fiz: montei uma armadilha. Isso mesmo, eu preparei
uma armadilha para testar a honestidade das camareiras! Antes de sair para ir à
praia, e deixar meu quarto para arrumar, guardei todas minhas coisas na mala e
tranquei com o cadeado. Sim, eu faço isso sempre que vou sair do quarto do
hotel em que estou hospedado. Daí, peguei uma caixinha de chiclete, contei
quantos haviam dentro – eram 9, lembrem-se desse número porque ele é o número
cabalístico da honestidade hoteleira – e deixei em cima da mesa, perto de
alguns livros meus.
“Ah Olavo, você falou que guardou tudo mas deixou os livros
fora da mala, você está sendo incoerente!”. Não, não estou e não faz sentido eu
simular um diálogo comigo mesmo e me acusar de incoerente. Mas mesmo assim eu
vou me explicar para mim mesmo e para você que está lendo este texto. Deixei
os livros porque se somente a caixa de chicletes estivesse sobre a mesa não haveria
um cenário natural para criar a armadilha e certamente as camareiras desconfiariam,
pensando “quem sai do quarto, guarda tudo dentro da mala e só deixa chicletes
sobre a mesa?”. Camareiras são profissionais espertas e não poderia me dar ao
azar de colocar todo meu plano a perder logo agora. Eu já havia ido longe
demais para retroceder.
É importante mencionar que minha mulher, que me acompanhava na viagem, não sabia de
nada sobre a armadilha, e esse é um aspecto fundamental, porque quanto menos
gente souber do seu plano, mais chance de sucesso ele terá. Deixei a caixa de
chiclete sobre a mesa, perto dos livros, meticulosamente colocada como se fosse
algo sem importância, e saí. Lembrem-se, havia 9 chicletes. Vou até escrever por
extenso: nove. Fui até a praia e, depois de quase me afogar em umas ondas no
raso, perder meus óculos e pegar uma semi-insolação, voltei para meu quarto.
Estava contente por voltar para o paraíso do ar condicionado mas ao mesmo tempo
ansioso e preocupado com o sucesso de minha armadilha.
Cheguei na porta do quarto e coloquei o cartão no sensor para abrir a porta. Não abriu. Fiquei tenso. Coloquei de
novo. Abriu. Acho que nunca consegui abrir essas portas eletrônicas de quarto
de hotel de primeira. Mas isso não tem nada a ver com a tocaia que eu havia
montado. Logo que entrei no quarto, com apenas um olhar ágil fiz a leitura de
todos objetos do quarto. Pode parecer difícil fazer isso, mas depois de um
tempo praticando – você pode começar praticando no seu quarto – você também
terá esse mesmo olhar treinado, afiado e perspicaz que tenho. Constatei que tudo
estava como eu havia deixado, menos uma coisa: a caixa do chiclete. Rá! Ela
estava ‘sobre’ os livros e não ‘perto’ deles. Desconfiei. Como um detetive,
comecei a juntar os fatos. Até agora eu sabia que havia montado uma armadilha
com a caixa de chicletes para a camareira e ela havia mexido na tal caixa. Isso
era um indicio contundente de que algo poderia estar errado no interior daquela
caixa com, lembrem-se, 9 chicletes. Nove! Me aproximei vagarosamente, com todo
cuidado que uma cena de crime hoteleiro requer, peguei a caixa delicadamente,
evitando apagar qualquer possível evidência, e em um movimento certo e preciso abri
a caixa do chiclete. Contei: só haviam 8 chicletes lá. Estava consumado.
Olhei
para minha esposa, sentindo uma mistura de satisfação pelo êxito da missão com
a insegurança de ter sido roubado.
– O que foi? – perguntou ela.
Tirei um a um os 8 chicletes da caixa, contando em voz alta, e ela continuou me
olhando com uma cara de “O que que tá acontecendo”.
– Não está vendo? Fomos roubados!
– respondi, com ares de Sherlock Homes – Eu deixei 9 chicletes nessa caixa e
agora, depois que a camareira arrumou o quarto, só há 8.
A testa franzida no rosto da
minha mulher mostrava sua indignação com a situação. Ou talvez fosse a
expressão de quem não acredita que o ao invés de se divertir e relaxar na
praia, seu marido montou uma armadilha para testar camareiras. Não tenho
certeza, mas gostaria que fosse a primeira.
Pensava que se a camareira foi
capaz de roubar um simples chiclete, do que mais ela seria capaz? Ela até
limpou o quarto muito bem e deixou tudo organizado, mas naquele momento eu não
sabia mais se ela era uma boa camareira ou apenas queria apagar os rastros do
crime cometido. Afinal, nem mesmo o papel do chiclete estava no lixo.
Me sentei na cama olhando para a
caixa de goma de mascar em minhas mãos e, lentamente, desembrulhei um chiclete de
sua embalagem e botei em minha boca, repetindo o ato que a camareira
provavelmente havia feito. Eu tentava repetir atitudes dela para entender suas
motivações. Mascava e pensava “por que será que ela roubou meu chiclete?”. O forte
sabor de hortelã se espalhava pelo meu paladar e eu refletia sobre os reais
motivos daquela camareira.
Pensei em várias possibilidades. Será que ela sofria
de mau hálito e naquela hora ela iria conversar com seu chefe? Será que ela é
daquele tipo de pessoa que gosta de viver no limite da lei e quis se arriscar
pegando meu chiclete? Talvez ela fosse adicta em gomas de mascar e minha
armadilha poderia ter sido uma tentação que a fez interromper os “264 dias sem
mascar chicletes só por hoje”. Por um instante me senti um pouco culpado e
assoprei uma bola de chiclete. Ponderei, também, que talvez ela tivesse tido uma súbita queda de glicose e em um ato de sobrevivência
desesperada, pegou a única coisa com açúcar que havia perto dela: o chiclete.
Mas essa possibilidade se mostrou falsa, já que como o chiclete era sem açúcar
se fosse uma crise hipoglicêmica ela estaria agora estirada no chão do meu quarto.
A verdade é que eu nunca saberia
a resposta, nunca conheceria sua motivação adocicadamente criminosa. Mas o que
mais me incomodou foi que jamais descobri qual das camareiras havia roubado meu
chiclete e daquele momento em diante, pelo menos até o final da viagem, não confiei
em mais ninguém. Todos eram suspeitos. Pelo resto dos dias que fiquei hospedado naquele hotel sempre
que encontrava com alguma das camareiras no corredor, fingia que estava
mascando chiclete de boca aberta, bem exagerado, e as cumprimentava olhando
profundamente para elas. Tinha a esperança de que demonstrassem o olhar culpado de quem roubou minha goma de mascar.
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