terça-feira, 12 de maio de 2015

: crônicas daqui (06)


O Chiclete da Camareira

Semanas atrás estive em uma praia na Bahia e fiquei hospedado em um belo hotel. Serviço excelente, funcionários educados e uma ótima estrutura. Mas ainda que o hotel fosse muito bom fiz algo que sempre faço em hotéis: um teste de confiança com as camareiras que arrumam meu quarto. “Ah Olavo, isso é tipo aqueles testes do João Kleber?!”, não, claro que não! Mas, de certa forma, queria testar, sim, a fidelidades delas. A fidelidade com a honestidade. Não que eu seja, assim, tão preocupado com as escolhas morais das camareiras, só acho divertido ver como as pessoas se comportam quando ninguém está olhando.

Mas me deixe contar o que fiz: montei uma armadilha. Isso mesmo, eu preparei uma armadilha para testar a honestidade das camareiras! Antes de sair para ir à praia, e deixar meu quarto para arrumar, guardei todas minhas coisas na mala e tranquei com o cadeado. Sim, eu faço isso sempre que vou sair do quarto do hotel em que estou hospedado. Daí, peguei uma caixinha de chiclete, contei quantos haviam dentro – eram 9, lembrem-se desse número porque ele é o número cabalístico da honestidade hoteleira – e deixei em cima da mesa, perto de alguns livros meus. 

“Ah Olavo, você falou que guardou tudo mas deixou os livros fora da mala, você está sendo incoerente!”. Não, não estou e não faz sentido eu simular um diálogo comigo mesmo e me acusar de incoerente. Mas mesmo assim eu vou me explicar para mim mesmo e para você que está lendo este texto. Deixei os livros porque se somente a caixa de chicletes estivesse sobre a mesa não haveria um cenário natural para criar a armadilha e certamente as camareiras desconfiariam, pensando “quem sai do quarto, guarda tudo dentro da mala e só deixa chicletes sobre a mesa?”. Camareiras são profissionais espertas e não poderia me dar ao azar de colocar todo meu plano a perder logo agora. Eu já havia ido longe demais para retroceder. 

É importante mencionar que minha mulher, que me acompanhava na viagem, não sabia de nada sobre a armadilha, e esse é um aspecto fundamental, porque quanto menos gente souber do seu plano, mais chance de sucesso ele terá. Deixei a caixa de chiclete sobre a mesa, perto dos livros, meticulosamente colocada como se fosse algo sem importância, e saí. Lembrem-se, havia 9 chicletes. Vou até escrever por extenso: nove. Fui até a praia e, depois de quase me afogar em umas ondas no raso, perder meus óculos e pegar uma semi-insolação, voltei para meu quarto. Estava contente por voltar para o paraíso do ar condicionado mas ao mesmo tempo ansioso e preocupado com o sucesso de minha armadilha.

Cheguei na porta do quarto e coloquei o cartão no sensor para abrir a porta. Não abriu. Fiquei tenso. Coloquei de novo. Abriu. Acho que nunca consegui abrir essas portas eletrônicas de quarto de hotel de primeira. Mas isso não tem nada a ver com a tocaia que eu havia montado. Logo que entrei no quarto, com apenas um olhar ágil fiz a leitura de todos objetos do quarto. Pode parecer difícil fazer isso, mas depois de um tempo praticando – você pode começar praticando no seu quarto – você também terá esse mesmo olhar treinado, afiado e perspicaz que tenho. Constatei que tudo estava como eu havia deixado, menos uma coisa: a caixa do chiclete. Rá! Ela estava ‘sobre’ os livros e não ‘perto’ deles. Desconfiei. Como um detetive, comecei a juntar os fatos. Até agora eu sabia que havia montado uma armadilha com a caixa de chicletes para a camareira e ela havia mexido na tal caixa. Isso era um indicio contundente de que algo poderia estar errado no interior daquela caixa com, lembrem-se, 9 chicletes. Nove! Me aproximei vagarosamente, com todo cuidado que uma cena de crime hoteleiro requer, peguei a caixa delicadamente, evitando apagar qualquer possível evidência, e em um movimento certo e preciso abri a caixa do chiclete. Contei: só haviam 8 chicletes lá. Estava consumado. 

Olhei para minha esposa, sentindo uma mistura de satisfação pelo êxito da missão com a insegurança de ter sido roubado.

– O que foi? – perguntou ela. Tirei um a um os 8 chicletes da caixa, contando em voz alta, e ela continuou me olhando com uma cara de “O que que tá acontecendo”.
– Não está vendo? Fomos roubados! – respondi, com ares de Sherlock Homes – Eu deixei 9 chicletes nessa caixa e agora, depois que a camareira arrumou o quarto, só há 8.

A testa franzida no rosto da minha mulher mostrava sua indignação com a situação. Ou talvez fosse a expressão de quem não acredita que o ao invés de se divertir e relaxar na praia, seu marido montou uma armadilha para testar camareiras. Não tenho certeza, mas gostaria que fosse a primeira.

Pensava que se a camareira foi capaz de roubar um simples chiclete, do que mais ela seria capaz? Ela até limpou o quarto muito bem e deixou tudo organizado, mas naquele momento eu não sabia mais se ela era uma boa camareira ou apenas queria apagar os rastros do crime cometido. Afinal, nem mesmo o papel do chiclete estava no lixo.

Me sentei na cama olhando para a caixa de goma de mascar em minhas mãos e, lentamente, desembrulhei um chiclete de sua embalagem e botei em minha boca, repetindo o ato que a camareira provavelmente havia feito. Eu tentava repetir atitudes dela para entender suas motivações. Mascava e pensava “por que será que ela roubou meu chiclete?”. O forte sabor de hortelã se espalhava pelo meu paladar e eu refletia sobre os reais motivos daquela camareira. 

Pensei em várias possibilidades. Será que ela sofria de mau hálito e naquela hora ela iria conversar com seu chefe? Será que ela é daquele tipo de pessoa que gosta de viver no limite da lei e quis se arriscar pegando meu chiclete? Talvez ela fosse adicta em gomas de mascar e minha armadilha poderia ter sido uma tentação que a fez interromper os “264 dias sem mascar chicletes só por hoje”. Por um instante me senti um pouco culpado e assoprei uma bola de chiclete. Ponderei, também, que talvez ela tivesse tido uma súbita queda de glicose e em um ato de sobrevivência desesperada, pegou a única coisa com açúcar que havia perto dela: o chiclete. Mas essa possibilidade se mostrou falsa, já que como o chiclete era sem açúcar se fosse uma crise hipoglicêmica ela estaria agora estirada no chão do meu quarto.

A verdade é que eu nunca saberia a resposta, nunca conheceria sua motivação adocicadamente criminosa. Mas o que mais me incomodou foi que jamais descobri qual das camareiras havia roubado meu chiclete e daquele momento em diante, pelo menos até o final da viagem, não confiei em mais ninguém. Todos eram suspeitos. Pelo resto dos dias que fiquei hospedado naquele hotel sempre que encontrava com alguma das camareiras no corredor, fingia que estava mascando chiclete de boca aberta, bem exagerado, e as cumprimentava olhando profundamente para elas. Tinha a esperança de que demonstrassem o olhar culpado de quem roubou minha goma de mascar.

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