segunda-feira, 21 de novembro de 2011

: crônicas daqui


Não diga débito, diga à vista

Ir ao supermercado é sempre uma experiência interessante, quase antropológica. Tanto que quando me sinto entediado em casa decido ir até lá só para me distrair um pouco. O problema é que não dá pra ir a um mercado e não comprar nada. É curioso, em qualquer outra modalidade de comércio você pode entrar, olhar os produtos e caso decida não comprar, tudo bem. Mas não num mercado. Esse é o único estabelecimento comercial em que a saída é obrigatoriamente passando pelo caixa. Você já viu alguma placa informando a saída nos mercados? Só há placas apontando para onde pagar. Supermercado é um lugar que você entra de graça, mas tem que pagar para sair

Qualquer um que já entrou e decidiu não comprar nada sabe o constrangimento que é sair de mãos vazias sob o ‘olhar sanguinário do vigia’ (BROWN, Mano) que certamente fica pensando por que você está saindo sem nada. É tanto constrangimento que até o volume da carteira ou do celular do bolso parece ser motivo suficiente pra se sentir culpado. Lembro de uma vez que os seguranças me olharam tanto que até eu já estava me convencendo que realmente tinha roubado alguma coisa, e conferi todos meus bolsos para ter certeza que podia ir embora. Quando você vir alguém comprando só guardanapo pode ter certeza que foi mais uma vítima deste tipo de constrangimento e o desespero foi tão grande que ela pegou a primeira coisa que viu pela frente. Eu sei porque já passei por isso. Várias vezes. Tenho tanto guardanapo na minha casa que dava pra limpar a boca do Mick Jagger. Ou quase. Talvez os supermercados tenham um cálculo para saber quanto ganham num mês só gerando constrangimentos. Eu certamente contribuo bastante. 

Há alguns anos atrás as compras no mercado eram feitas uma vez por mês, compravasse tudo o que podia quando o salário saía porque na semana seguinte os preços podiam ter dobrado graças a inflação. Hoje não, as pessoas compram só o que vão comer no dia e olhe lá. A mentalidade está tão diferente que se nos dias de hoje alguém aparecer numa fila com o carrinho abarrotado de suprimentos como era feito antigamente, haverá pânico, desespero e correria porque certamente todos pensarão que começou o apocalipse zumbi ou chegou o fim do mundo. Talvez seja por isso que em supermercados de médio porte não há mais carrinho de compras, só cestas de mão. Tudo para evitar o pânico. 

E realmente hoje em dia as pessoas compram poucas coisas. Na verdade é isso que mais chama minha atenção quando estou na fila. Passei tanto tempo observando as pessoas e imaginando o porque compravam aqueles produtos específicos, que aos poucos fui desenvolvendo uma capacidade quase sobrenatural de ler o comportamento delas. Na verdade eu praticamente construí uma psicologia de supermercados muito efetiva. Assim, dois pacotes de papel higiênico e uma caixa de bombom revelam uma pessoa que está enfrentando uma decepção amorosa e possui um intestino muito sensível. Água sanitária, detergente, palha de aço, desinfetante e um pacote de macarrão são de um sujeito tão neurótico com limpeza que não tem tempo nem de fazer o molho para por na massa. Um jogo de facas afiadas, pães e uma lâmpada fria são uma combinação que se não for executada na ordem exata pode levar a sérios machucados no escuro.

São tantas pessoas fazendo pequenas compras que hoje todos os mercados possuem filas exclusivas para os que estão comprando no máximo dez volumes. Não sei, mas talvez isso explique algumas mulheres com apenas uma água oxigenada nas mãos. Há também sempre aquela discussão se uma caixa com doze cervejas entra nessa conta e é muito comum encontrar alguém tomando duas latas desesperadamente para não ter que enfrentar a outra fila. Aquela, a fila das pessoas que estão se preparando para o apocalipse zumbi.

Mas o momento mais perturbador acontece na hora que se está no caixa, frente a frente com a atendente. Depois de catorze perguntas sobre se é cliente preferencial, se está cadastrado na promoção, se faltou algum produto e se quer o CPF na nota, você finalmente pode passar suas compras. Mas o pior está guardado para o final, na hora que a atendente vira pra você e faz aquela maldita pergunta indecifrável que atrasa a vida de milhões de brasileiros: 
- É bébito ou bébito, senhor?

Sério, porque é literalmente impossível, tanto pra mim quanto pra ela, perceber a diferença entre as duas palavras quando se está num lugar com milhares de pessoas falando ao mesmo tempo. E aí a conversa fica mais ou menos assim:
- Ah sim, é bébito, por favor.
- Bébito?
- Não, bébito.
- Foi o que eu disse, senhor, bébito.
- Eu entendi, mas eu quero BÉ-BI-TO!
- Ok, senhor. Bébito.

Isto é praticamente a aplicação da Lei de Murphy nos supermercados: sempre que você quiser pagar no débito ela colocará crédito. É claro que você só perceberá isso quando chegar a fatura do mês seguinte e estourar sua conta bem no momento em que você estava planejando sair para se divertir. E aí sem dinheiro não sobra muito o que fazer a não ser ir ao supermercado para se distrair um pouco. Na próxima vez não diga débito, diga à vista.