O dia em que passei a acreditar na Astrologia
Eu sou cético. Não acredito no aquecimento global, nas mensagens ao contrário no disco da Xuxa e muito menos em astrologia. Se nem a meteorologia é capaz de me garantir se amanhã vai chover, imagina se a posição dos planetas vai mostrar o que acontecerá no meu futuro. Sou tão cético que só grito gol depois do replay. De quatro câmeras diferentes.
Mas desde que comecei a ter uma dor no pé que nenhum médico descobria a origem, minha namorada insistiu que eu deveria ir ao astrólogo dela. Relutei durante um bom tempo, pois não entendia como meu signo revelaria algo que duas ressonâncias magnéticas não mostraram. Mas acabei indo. Logo na chegada notei que estava escrito “Guru Zórze” em cima da porta daquela sala.
- Zórze? Que tipo de nome é esse? É alguma entidade esotérica?
- Não, seu bobo - disse minha namorada, que me acompanhava - O nome dele era Jorge, mas mudou depois que sua numeróloga falou que o som de gês e jotas traziam más energias para ele.
- Ué, e por que não está escrito Zuru na placa, então?
- Ah, para de implicar. Ele é muito bom, você vai ver! Só de te olhar ele é capaz de dizer se você está com a energia boa ou ruim!
Esse é um primeiro fato interessante sobre gurus astrólogos. O termo energia ruim serve pra justificar qualquer coisa, desde não conseguir vaga no estacionamento do shopping ou um cachorrinho tentar te morder até a perda da copa de cinquenta e o aparecimento do nazismo. Ao entrar no local uma secretária me explicou que Zórze não recebia ninguém diretamente da rua e que eu precisaria ficar ali por sete minutos até que as impurezas do mundo energético fossem limpas.
- Mas eu acabei de tomar banho! - retruquei.
- Eu entendo, senhor. Mas energias ruins não saem apenas com um pouco de sabão.
- Pouco? - me ajeitei na cadeira - Por acaso você sabe quanto tempo eu gasto me ensaboando embaixo do chuveiro?
- Não quis dizer isso senhor, eu só...
- E isso sem contar que se meu sabonete é capaz de matar 99% das bactérias que aparecem maltratando aquelas crianças na propaganda de televisão ele deve ser capaz de limpar essa energia também, não é? - disse, enquanto passava álcool em gel na mão para enfatizar minha higiene.
Mas tive que esperar. Depois de quinze minutos, quando já achava que minha energia devia estar imunda, a secretaria finalmente disse que eu podia entrar na sala de Zórze. Entrei. O lugar parecia uma mistura de casa de avó com o cenário do Avatar: cheio de coisa velha e umas samambaias decoradas com cristais. Além disso, havia uma música mantra tocando ao fundo e um barulho de água pingando delicadamente.
Uma segunda coisa sobre gurus: quem foi que disse que mantra relaxa? Se eu não suporto nem ouvir o cara da pamonha passando em frente minha casa, imagina uma voz ficar repetindo uma palavra sem sentido por horas e horas. E outra, quem acha som de goteira relaxante é porque nunca viu aquele episódio em que o Pato Donald não consegue dormir por causa da
goteira na pia da cozinha.
- Paz e luz. Eu me chamo Zórze e estou aqui para te azudar - disse o gordinho barbudo sentado em uma posição desconfortável e cercado por uma horda de gnomos de gesso.
- Eu... Oi. É... Eu vim em paz - disse, meio sem saber o que falar - Eu estou aqui por causa de uma dor no pé e...
- Não fale mais nada. Sua namorada me passou sua data de nascimento e eu zá construí o seu mapa astral - disse fazendo gestos ‘exazerados’.
A terceira coisa sobre gurus astrológicos é que eu nunca gostei muito dessa coisa de mapa astral. Pra mim isso é desculpa de astronauta perdido. Se até carrinho de compra já tem GPS por que ainda existe esse tal de mapa astral? Mas o Zórze disse que não, que o mapa revelava como a posição dos astros no dia do meu nascimento influenciava os acontecimentos da minha vida.
- Astros? Por que você não falou logo! - disse, empolgado - Bom, John Lennon e Jimi Hendrix já tinham morrido quando eu nasci, mas o Raul Seixas ainda estava vivo. Eu gostava dele, mas não sei se ele influenciou tanto a minha vida e...
- O quê? Não! - falou Jorge com Z - Os astros que eu falo são o Sol, a Lua, Zupiter e os outros planetas. Nada de Zon Lennon ou Zimi Hendrix. – é, ele levava a sério esse lance de gês e jotas.
Realmente não conseguia entender como Júpiter ou o cometa Halley poderiam influenciar minha vida, a não ser que fossem Júpiter Maça ou o Bill Haley and his Comets. Mas acabei concordando.
- O desenho dos astros indica que você vai passar por um tempo de mudança já que o Sol está chegando na casa de Saturno, e...
- Na casa de quem?! - interrompi.
- Na casa de Saturno.
- Ufa, que susto, achei que era lá em casa. Odeio visitas surpresas...
E quando eu achei que nada ia sair daquela consulta com o gordinho Zorze, ele disse:
- Ah! Seu mapa está me revelando que o senhor tem problemas com peixes com ascendentes em aquário e...
- Peraí! - disse assustado - Como o senhor sabe disso? Nesse mapa mostra que meu peixe beta morreu na semana passada?
- O quê?
- Ué, você não acabou de falar que meu peixe teve um acidente no aquário?
- Não, eu disse ascendente! Ascendente!
- Então, é isso! Foi acidente mesmo! Eu fui colocar comida pra ele e sem querer derrubei o aquário no chão. Ainda tentei salvar ele, mas no desespero acabei o botando o peixe no meu copo de Coca-Cola e quando voltei pra olhar ele já tinha se desintegrado - eu estava simplesmente chocado com o poder de Zórze - Nossa, o senhor é bom mesmo, hein! Nem falei nada e você adivinhou toda a história sobre o aquário e...
- Não, não. Veza, eu...
- Valha-me-creio-em-deus-pai! - gritei horrorizado, levantando da cadeira.
- O que foi?
- O aquário caiu no meu pé!
- No seu pé? E daí?
- E daí? É por isso que eu estou com dor. É isso! Você é um gênio, quero dizer, zênio! Você é um zênio!
- Não, eu... certo, certo. Olha, tudo bem. Que bom que eu azudei. Mas independente de qualquer coisa não precisa se preocupar porque zá é a era de aquário e...
- É eu sei... já era mesmo - disse, triste.
- Zá era o quê?
- Já era meu aquário.
Sai da consulta em estado de choque, afinal o tal do gordinho com Z havia descoberto que toda a medicina do ocidente não foi capaz de revelar.
- E aí? Ele te ajudou? – perguntou minha namorada.
- Me azudou tanto que eu zostaria de voltar outra vez.
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