quinta-feira, 27 de março de 2014

Diálogos Inesperados (05)

A Teoria dos Bebês

- O que você tem, querido?
- Ah... não é nada.
- Mas meu bem, você está estranho.
- Sabe, eu tava pensando...
- No que?
- Quer saber? Deixa pra lá. Eu não quero falar sobre isso agora... Vou terminar de calçar o sapato e a gente sai.
- Pode falar, meu bem.
- Tá bom... é que...
- Vai, fala logo.
- É... é que eu não consigo achar bebê bonito.
- Como é que é?
- É isso, eu não consigo achar bebê bonito.
- Como assim? Do que você está falando?
- Sabe quando nasce um bebê e fica todo mundo falando ”que coisinha mais linda”, “que bonitinho” e tal?
- Sim. O que é que tem?
- Poizé, quando vou olhar sempre acho horroroso...
- Que isso, meu bem?
- Sério, eu acho feio. Muito feio, na verdade. Cabeça grande, carinha enrugada, meio desconjuntado. Sei lá... esquisito.
- Não é esquisito querido, é uma criança, um recém nascido.
- E daí? Só porque é criança não pode ser feia?
- Talvez dentro dos padrões da beleza seja feinho mesmo, mas é bonitinho porque é fofinho, pequenininho e...
- E desde quando tudo que é pequeno é bonito? Você acha os anões bonitinhos? Ou por acaso o seu salário fica mais bonito no final do mês? O dedo mindinho do seu pé, por exemplo, é medonho.
- Não é isso, é porque os bebês são tão engraçadinhos!
- Opa, peraí! Vamos deixar uma coisa clara aqui: engraçado é Costinha, Larry David e gordo caindo. Bebê é completamente sem graça. Por acaso você conhece algum bebê que seja humorista?
- Nã... não. Como assim?
- Viu, tá comprovado! Não há nada de engraçado com eles. Nem de bonito. Eles parecem um rolo de fita crepe amassado. Ao invés de dar roupinhas de bebê, as pessoas deviam dar máscaras pra esconder a feiurinha deles.
- Não fala assim. E os nossos filhos?
- Eram bebês feios. Todos feios. E o nosso mais velho, na verdade, continua feio. Acho que a gente não fez ele direito. Sei lá, vai ver foi falta de prática, né? Até hoje aquela foto dele na sala sempre me causa arrepios.
- Acho que você está exagerando...
- Não tô não, pensa comigo. Talvez os bebês chorem tanto na maternidade porque eles ficam o tempo todo olhando uns para os outros e acabam se assustando, coitados!
- Ah, não. Agora você passou dos limites!
- É sério, deve ser por isso que eles choram quando ficam sozinhos. Eles vão ficando com toda aquela feiurinha de si mesmo e vão entristecendo. Vai ver que na maior parte do tempo em que os bebês estão chorando não é de fome ou de dor, é de feiura mesmo.
- Sei... e você devia ser o bebê mais bonito da maternidade, não é?
- Hum, não sei. Eu não lembro. Tá aí, mais um elemento para minha teoria.
- Que teoria, meu deus do céu?
- A Teoria da Feiura na Primeira Infância, que estou formulando agora. Raciocina: talvez seja por isso que a gente não lembra nada dos primeiro anos de vida. O trauma da feiura é tão grande que o cérebro apaga nossa memória de quando somos bebês!
- Quer saber? Pra mim chega. Se você não quer ir no chá de bebê, tudo bem. Não precisa ficar inventando desculpas mirabolantes. Eu vou sozinha!
- Não fica chateada, querida. Explica lá pra sua amiga que eu não tenho nada contra o bebê dela. Eu apenas me assusto com facilidade.

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