Amigo oculto de natal
por @quemvimververa
Assim como produtos tóxicos e
homens de má índole criaram terríveis vilões, as lojas de R$ 1,99 e famílias
numerosas criaram o amigo oculto. Essa prática se espalhou por todas as esferas
sociais e se tornou uma certeza em qualquer festinha de fim de ano, seja do
trabalho, da faculdade ou da família. Eu já vi amigo oculto até de pessoas que utilizam
o mesmo elevador, mas achei um excesso. As pessoas precisam parar de agir como
se o amigo oculto fosse uma coisa legal e que une as pessoas, porque na verdade é uma das coisas mais perversas já inventadas, fazendo com que
pessoas que se amam passem a se odiar no exato instante em que ganham aquele
kit de caneta, chaveiro e lanterna que se compra em qualquer camelô. Se o
presente dado fosse algo bom certamente o ‘amigo’ não iria ficar oculto, se
escondendo até o último momento. Se está oculto, desconfie, porque
coisa boa não fez. Esse tipo de troca de presentes faz com que a noite de natal
se transforme numa espécie de palestra motivacional de quinta categoria, em que
as pessoas apresentam seus amigos dizendo “o meu amigo oculto é inteligente,
bonito, esperto...”. Nem mesmo as crianças escaparam do advento moderno do
amigo oculto e suas cartinhas de natal se transformaram em “Querido Papai
Noelzinho. Esse ano fui um bom menino, mas tirei o meu vovô no amigo oculto e
quero pedir pra você trazer pra mim um pijama no valor de até trinta reais (com
o mínimo de quinze) pra eu dar pra ele”.
O amigo oculto começa com um
monte de gente sem graça e termina com todo mundo frustrado, achando que seria
melhor se tivesse ficado com o presente que comprou pra dar. Na verdade, o
amigo oculto devia se chamar ‘amigo da onça’, ‘amizade desfeita’ ou ‘pode
trocar’. Esse último, na minha opinião, é o melhor porque se existe uma lei no
amigo oculto é que qualquer roupa que você der a pessoa sempre irá trocar. Se
você acertou na cor, errou o modelo, se acertou o modelo, errou na marca e se
acertou no tamanho você chamou a pessoa de gorda e estragou o natal dela. O amigo oculto é uma espécie de
roleta russa social, com a diferença que nele você sempre será acertado, e
provavelmente por um par de meias. Mas ao contrário do que possa parecer, eu
até admiro quem dá isso de presente, porque a pessoa está sendo honesta e
dizendo “olha, não faço ideia do que você gosta, mas sei que você usa meia”. O
grande problema são aquelas pessoas que não bastando querer adivinhar o seu
gosto, querem te surpreender. Essas, sim, são perigosas. São elas que aparecem
com um ‘abajur decorativo’ que assustará até o seu cachorro, sabonetes com
aromas que nunca mais sairão de suas mãos ou calças amarelas fluorescente
modelo saruel que você não escapará de vestir para ‘provar’ que gostou,
chegando no trabalho parecendo uma mistura de Latino com Mc Hammer.
Como se sabe, esse costume de
trocar presentes surgiu quando os reis magos levaram pequenos agrados para
Jesus, que acabara de nascer na manjedoura. E, talvez, esse tenha sido o
primeiro amigo oculto da história! Afinal, quer um amigo mais oculto do que
alguém que você não sabe quem é, onde está e que só consegue encontrar depois
de passar horas em cima de um camelo seguindo uma estrela guia? Se o bom menino
tivesse nascido atualmente, ao invés de mirra, incenso e ouro, certamente ele
teria ganhado velas aromáticas, um porta retrato e cuecas.
Uma vez, na festinha de final de
ano do trabalho, nós levamos presentes para sortear o amigo oculto na hora. Estava
tudo bem até que abri meu papelzinho e li “Amadelene”. Pensei “Valha-me-creio-em-deus-pai,
quem é essa pessoa?”. Calmamente, para não entregar que eu não sabia de quem se
tratava, olhei de soslaio para cada uma das pessoas da sala buscando me lembrar
do nome de cada uma. Como uma questão de vestibular de faculdade particular,
liguei a coluna de nomes na coluna de rostos e percebi que todas as pessoas estavam
ali e nenhum delas se chamava Amadelene. É uma situação complicada porque como
você vai descobrir quem é a pessoa sem que ela perceba que você a tirou de
amigo oculto? Pensei em gritar rapidamente “AMADELENE!” e ver quem iria olhar,
mas se a pessoa estivesse próxima a mim seria pego em flagrante. Até cheguei a
pensar em atender o telefone da sala e dizer “O que? A mãe da Amadelene
morreu?!”, e ficar esperando pra ver quem ia começar a chorar, mas achei isso
meio exagerado. Mais pessoas poderiam começar a chorar e isso iria me
atrapalhar de descobrir quem era a tal Amadelene.
Então tomei a decisão mais sábia:
perguntar para minha chefe, afinal ela conhecia todo mundo. Me aproximei dela
sorrateiramente e pedi para conversar a sós. “Oi. Sabe o que é, eu sei que é
meio ridículo não guardar o rosto de uma pessoa que tem um nome tão bizarro
como esse, mas tirei essa tal de Amadelene e não sei quem é, acredita?”, disse
terminando com uma risada sutil para descontrair o ambiente. Mas a cara fechada
dela me indicou que algo estava errado. Na verdade, muito errado. “Amadelene é
o meu nome”, ela falou secamente. Na hora eu entendi da onde vinha o ‘Leninha’ que
estava no seu crachá. A minha vontade era cortar os pulsos ali mesmo e esfregar
o sangue nos meus olhos até que eu não pudesse mais me enxergar naquela cena
ridícula, mas como não tinha nenhuma navalha à mão e a caneta Bic não era
afiada o suficiente, sorri nervosamente. “Amadelene vem de amada helena”, disse
minha chefe enquanto eu forçava a ponta da caneta contra meu pulso, “foi uma
homenagem ao nome da minha avó e eu tenho muito orgulho dele!”.
Como o haraquiri com caneta esferográfica
não tinha funcionado e eu não havia comprado um apartamento para dar de amigo
oculto para ela, percebi que não teria como me desculpar. Pedi licença, me escondi no último box do banheiro
e esperei até que a festinha acabasse. Tenho certeza que na hora da troca de
presentes eu fui o amigo mais oculto que alguém já teve.
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